Ficção: Um menino se esforça para manter sua família unida enquanto o casamento de seus pais se desintegra
Mamãe fugiu de novo. Não quero dizer fugir no sentido convencional. Fomos visitar o irmão dela em Klang; quando chegou a hora de partir, ela não o fez. Como sempre. E agora, papai não está por perto. Acordei às oito e meia; ele se foi. O carro dele sumiu. Eu estou sozinho.
Mas estou acostumada, sem medo nem nada, só com um pouco de fome. Eu gostaria que mamãe verificasse se há comida em casa antes de se ausentar. Quero dizer, há um pedaço de pão, mas posso ver alguns pedaços peludos verdes através do saco plástico, então nem vou abri-lo. Espero que papai compre alguma coisa para comer quando voltar de onde quer que tenha ido, seja qual for a hora em que voltar.
Eu escovo meus dentes e tomo um banho. Não tenho permissão para ferver água, então não posso fazer uma bebida quente e meu estômago está roncando, então abro a porta da frente, subo na cerca de arame e chamo a tia vizinha. Seu painel deslizante de vidro foi totalmente empurrado para trás; apenas a grade de metal está travada no lugar, o que significa que ela pode me ouvir.
A tia usa o cabelo preso na nuca com uma presilha comprida, mas o frizz sempre escapa. Seu cabelo é grisalho com mechas de um marrom profundo ou vinho ou qualquer cor que ela escolheu como tintura do mês. "É uma batalha perdida, garoto", ela lamenta. Você acha que eu teria herdado algo melhor do que o gene do cabelo grisalho da minha mãe, mas não – não.
Em casa, a titia está sempre em caftans barulhentos e disformes que a fazem parecer mais gorda do que ela, com pedaços arredondados saindo aqui e ali. Seus seios estão caídos. Muitas vezes, ela me abraça e é um lugar quente e macio para enterrar meu rosto, porque mamãe é ossuda e não é confortável deixá-la abraçá-lo com força.
Eu entro na casa dela. Picasso, o cachorrinho vira-lata da tia, me embosca. Ele pula em mim; Eu caio no chão lutando contra ele enquanto ele puxa minha camisa, lambe meu rosto e finalmente fica em cima de mim, o tempo todo latindo como o cachorro louco que ele é. É um ritual diário. Picasso (porque ele é o cachorro mais feio de todos) sabe que eu o amo demais, mas sinto um aperto por dentro quando vejo a tia beijá-lo ou quando ele pula no colo do tio. Meus olhos param de sorrir, não consigo evitar. Em um momento, o tio aponta o dedo para mim. Eu pulo em seu colo também. Picasso protesta indignado e briga comigo pelo lugar mais confortável. Logo nos acomodamos, eu no colo do tio, Picasso no meu e os braços do tio em volta de nós dois. A tia traz-me torradas e ovos e faz-me um Milo quente.
"Coma, coma. Você não terá fome enquanto eu estiver aqui." Sua voz é indignada.
"Obrigado, tia." Mamãe é muito exigente quanto às boas maneiras.
"Eu não sei onde papai foi. Acordei esta manhã e ele não estava lá."
A titia se vira para o tio: "FUGIU A NOITE INTEIRA. Os pais mais irresponsáveis. . . "
Veja, ela é a caçula da família. Quando ela vai para a casa do irmão, mamãe volta a ser uma garotinha. Sua voz é um pouco esganiçada com um ceceio. Ela fala e ri como algumas das garotas bobas da minha classe, sempre bajulando a professora. Mamãe e seu irmão cozinham seus pratos favoritos, sentam-se, conversam e assistem TV. Ela está sempre tão contente como se estivesse em um lugar seguro onde está completamente cuidada. Um lugar onde ela não precise tomar decisões difíceis. Se ela não está lá, ela vai às compras. Ela tem rodas nos pés, mamãe tem. Ela não consegue parar em um lugar por muito tempo, especialmente se esse lugar for sua casa.
Termino o café da manhã e ajudo a tia a se lavar. Eu toco com Picasso. Talvez eu esteja atrasando o retorno para casa. A casa é silenciosa mesmo com a TV ligada no máximo. A casa é louça suja na pia e na mesa de jantar. Roupas espalhadas por toda parte, superlotando o cesto de roupa suja, roupas recém-lavadas espalhadas pelas cadeiras, caindo no sofá, cobrindo as camas. Roupas Mamãe não tem tempo para dobrar. Eu posso lidar com as pequenas coisas, mas as camisas e blusas estão muito além de mim.
Não estou reclamando, veja bem. Afinal, mamãe me pediu para ficar com ela em Klang. Papai me pressionou para ficar também. Mas eu queria minha própria cama. Lembro-me de papai ficar em silêncio durante toda a viagem de volta para casa; ele não falou comigo nenhuma vez. Seu celular tocou.